domingo, 21 de junho de 2009

Metade

E que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca,
Porque metade de mim é o que eu grito
e a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe seja linda,
ainda que triste.
Que a mulher que eu amo
Seja para sempre amada, mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida
E a outra metade é saudade.

Que as palavras que falo
não sejam ouvidas como prece
Nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos,
Porque metade de mim é o que ouço,
Mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calmae na paz que eu mereço.
Que essa tensão que me corrói por dentro
seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que penso
Mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste!
Que conviva comigo mesmo
E se transforme ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto
um doce sorriso que me lembro
ter dado na infância.
Porque metade de mim é a lembrança do que fui;
e a outra metade não sei.

Que não seja preciso
mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais.
Porque metade de mim é abrigo,
Mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta,
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar,
Porque é preciso simplicidade
para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é a platéia,
e a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada,
Porque metade de mim é amor
e a outra metade também.
Osvaldo Montenegro